Você é Pop? E Digital??

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Sob o império pop-digital

Por Italo Moriconi.

Estamos vivendo o impacto da revolução pop-digital. O pop trouxe as estruturas de hipervisibilização e a própria visibilização como valores positivos, alterando até mesmo as relações entre privacidade e publicidade nas vidas das pessoas, ou seja, na moral dominante. Hoje, qualquer pessoa acaba passando por algum tipo de experiência de celebridade – estão aí os 15 minutos de fama para cada um profetizados pelo artista americano Andy Warhol há mais de 40 anos, em pleno alvorecer da revolução. Transcorrido todo esse tempo, já não se pode mais falar de exibicionismo e narcisismo como patologias: exibir-se se tornou um valor normativo ou no mínimo rentável, como verificamos, por exemplo, nos reality shows. Ninguém reclama de ter sido captado por uma câmera de vigilância que está onde está para revelar quem cometeu algum tipo de infração. A visibilização nos constitui e nos protege. Mais do que nunca, a vida imita a arte e, para muitos, a arte de viver hoje implica inventar a si próprio, transformar a si próprio na direção que o sonho de cada um indica como desejável.

A revolução pop corresponde à etapa tecnológica da transmissão televisual do entretenimento e da informação. Os ídolos do Olimpo do espetáculo moldam nossos comportamentos, neles nos espelhamos, a eles nos reportamos para nos definirmos. Quanto à revolução digital: nela estamos assim que entramos na nova etapa tecnológica pós-televisual da transmissão pela web. Tudo que era massificado nas eras do cinema e da televisão torna-se mais e mais capilarizado e segmentado na era da comunicação pela internet. A cultura, na verdade, se torna sinônimo de comunicação. Não existe cultura fora dos circuitos da comunicação. É nas estruturas e nos fluxos midiáticos e digitais desses circuitos que acontece e opera o cultural, a começar pelos jogos das identidades pessoais, grupais, sociais. Ocorre uma inversão. Se no mundo da televisão e do espetáculo pop o entretenimento predomina, afetando a informação e o conhecimento, agora, quem assume o lugar principal do cenário é a informação, que molda e afeta o entretenimento. Antes de ser um dado de entretenimento, o vídeo musical postado no YouTube é um dado de informação.

A revolução digital traz uma profunda transformação antropológica na escrita, a mais arcaica das tecnologias vigentes na comunicação humana. Filósofos como Walter Benjamin e poetas como Paul Valéry já tinham apontado nos anos 30 do século passado que rádio e cinema acarretavam uma transformação física da espécie humana, modificando a estrutura de funcionamento dos sentidos e da sensibilidade. Com a revolução digital, a transformação se dá no nível da principal ferramenta de ligação entre sensibilidade e comunicação. Ao incidir sobre a escrita, altera a infraestrutura material das relações entre as pessoas, das relações entre pessoas e coisas e entre pessoas e informação.

Podemos destacar três aspectos decisivos na transformação sofrida pela cultura escrita com a era digital. Em primeiro lugar, a acessibilidade no nível da produção: por meio dos blogs e das mais diversas ferramentas disponíveis na web, qualquer pessoa pode postar mensagens, publicar livros, em suma, comunicar-se e buscar um público ou um mercado. Em segundo lugar, o hipertexto, como forma infinitamente aberta e proliferante de links e mais links, altera completamente a formação e a recepção dos sentidos da leitura, assim como a própria atividade da leitura e da compreensão de mensagens e informações. Finalmente, a disseminação, no sentido de desierarquização e pulverização das referências. Já não há mais cânones ou modelos fixos para se aprender uma disciplina, um campo de saber ou atividade. A desierarquização significa que, na web, todas as informações chegam do mesmo jeito e, muitas vezes, o menos importante ou o falho tem um layout superior ao de páginas que realmente veiculam conteúdo coerente e comprovado.

O problema é como discriminar informações e como repercutir aquilo que merece ser repercutido. Esse é o grande papel que ainda cabe à cultura impressa. Ela seleciona, organiza, hierarquiza e repercute aquilo que existe de maneira aleatória e proliferante na web. Tanto na política como na literatura e nas artes, existe um fluxo infinito de informação e visibilização na web. Mas ainda são os jornais e a crítica especializada que indicam balizas de interpretação mais estáveis. São guias de orientação para que naveguemos com segurança pela galáxia de luzes e telas que é a internet.

Italo Moriconi é escritor e professor do Instituto de Letras da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Atualmente, dirige a Editora EdUerj.


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