Cara a tapa

sexta-feira, 5 de março de 2010

Por Carlos Nepomucemo.

Estava em uma reunião discutindo com um grupo responsável por definir e garantir a execução de processos de trabalho dentro de uma empresa.

Avaliávamos o que significaria abrir os textos dos procedimentos – de como as coisas devem ser feitas na organização – para um modelo wiki, no qual aqueles que executam os processos passassem a ter a liberdade de alterá-los diretamente na base de dados, transformando lições aprendidas em mudanças de fato.

Hoje, lá existe um circuito lento e, um pouco fechado a participações, entre o procedimento e a sua alteração.

Procura-se, entretanto, implantar um modelo 2.0 de rever procedimentos, abrindo a base de dados para modificação direta, ganhando velocidade, qualidade e inovação. A gerente da área, superincentivadora da iniciativa, vira e diz para sua equipe: “Gente, não tem jeito, o nosso setor vai ter que colocar a cara a tapa”. E eu retruquei: “Não, o que vai ficar a tapa, para ser batido, não é o setor de vocês, mas os procedimentos!!!”

E aí tem o ponto central, o calcanhar de Aquiles, da revisão a ser feita na nossa cabeça da passagem do mundo pré-2.0 para o pós-2.0.

1- Antes, alguém era responsável pelos procedimentos. Portanto, era o “dono dos procedimentos”. E qualquer alteração sugerida de mudança era assumir que o “dono” fez algo que não foi bom, ou correto. Dependendo da relação do dono com a sua segurança, auto-estima, poderia se sentir até ofendido. Brigava-se para que os procedimentos ficassem do jeito que estão, pois afinal eles são os "meus procedimentos”;

2- Essa visão, entretanto, esconde uma realidade de que os procedimentos são uma ferramenta para resolver determinados problemas. Não são, na verdade, de ninguém, pois quanto mais eficientes forem, melhor para todo mundo. No fundo, quanto mais nos separarmos deles e podemos vê-los de uma forma distante, melhor será para que possamos revisá-los;

Mas o modelo de controle informacional 1.0 nos levou a essa identificação perversa do acervo com o gestor: “Ninguém mexe no meu bebê…Eu coloquei talquinho, botei no colo e agora vem você dizer que ele é feio!!!”.

A passagem do mundo do controle 1.0 para a nova forma de controle 2.0 é a mudança de que os procedimentos não pertencem a ninguém. São bolas em uma determinada mesa e todos devem lutar para que elas ajudem e não atrapalhem. É, assim, preciso um desprendimento da relação eu-meu para algo eu-nosso. E todos contra o mau procedimento!

As raízes desse apego, entretanto, tem uma causa mais profunda. Os procedimentos ou qualquer coisa armazenada em um dado acervo tinham um tempo longo de maturação. Ficávamos tanto com eles que nos acostumávamos. E, por consequência, acabávamos casando com eles. Entretanto, agora, é necessária uma revisão na forma de nos apaixonarmos pelo conhecimento.

Hoje, é melhor nos acostumarmos muito mais a “ficar” com ideias do que mesmo namorar ou pior: casar de papel passado com elas. O conhecimento, em vez de substantivo, sempre foi um verbo – nós é que não víamos!!! Hoje, precisamos encará-lo como um verbo em processo, no máximo, um substantivo pra lá de abstrato!

Estamos avançando com ele e vamos alterando, conforme vamos entrando em contato com os outros e novas visões, algo típico de um mundo novo de cada vez mais fluxos.

Portanto, hoje o conhecimento tem se caracterizado muito mais um pão em um lago de girinos. Rodando para continuar relevante, do que uma pedra no meio do lago, paradinha. Assim, precisamos rever a nossa antiga solidificação de ideias, tanto na questão da posse como do tempo. Quanto mais vierem nos questionar, melhor, pois, mais vamos aprender. E não o contrário.

Não sou meus conceitos, estou hoje com estes, até que algo ocorra para que eu possa evoluí-los; e quanto mais rápido e de forma consistente, melhor! É uma mudança radical de postura em relação ao conhecimento aprendido e que mexe diretamente nas nossas inseguranças e na relação eu-meu.

É bom, assim, nos colocarmos fora do jogo o tempo todo para melhor jogar. Os conceitos não nos pertencem, pois eles estão fora de nós! Todos 'coo-vencemos' uns aos outros - e avançamos e não fulano 'con-venceu' ciclano!

Este é o espírito, a mudança cognitiva fundamental, que está por trás do mundo 2.0 e que estabelece uma nova forma de controle e da relação que tínhamos com a informação e o conhecimento.

E é o grande salto que cada um tem que individualmente se propor a fazer se quiser jogar bem o novo jogo! Ou seja, estabelecer uma separação do eu-com-o-meu.

E do conhecimento enquanto verbo e não mais substantivo. Há uma sinuca de bico casca grossa que precisa ser solucionada. Pergunta-se: já estás com o taco na mão?

O texto publicado blog ‘Nepôsts – Rascunhos Compartilhados’.
Carlos Nepomuceno é jornalista, consultor empresarial e professor da UFRJ, Senac e Facha.

Fonte: http://nepo.com.br/ 

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